Os melhores carnavais para mim foram aqueles que ocorreram na
adolescência, uns dois ou três anos talvez, quando eu juntava pedaços de retalhos
e algumas roupas gastas pelo uso e confeccionava uma “fantasia” para ir à
matinê num dos clubes de Rio Branco no AC, com entrada franca. A inocência,
alheia à situação política do país da década de 1970, nem sonhava que enquanto
eu brincava algumas pessoas também suavam em lugares ermos, buscando um refúgio
além da fronteira para continuarem vivas, nem precisariam poder brincar.
A segunda-feira de carnal de 2013 superou a alegria do passado,
esse sem dúvida foi o melhor carnaval da minha vida.
Em Nova Iguaçu, RJ, bairro de Cabuçu, na casa de Lírian Tabosa, a
poeta e professora de 80 anos e homenageada pela Grêmio Recreativo da Escola de
Samba Império de Cabuçu, nos dava o prazer de ouvir fragmentos de sua história
de vida, relatados num misto de lágrimas e bom humor, como ela foi abraçada aos
9 anos de idade pelo Cavalheiro da Esperança, Carlos Prestes; como viu o
Comandante Che Chevara pela primeira vez na União Nacional dos Estudantes –
UNE, que, funcionava no bairro do flamengo, no rio de Janeiro e pela segunda
vez em La Paz capital da Bolívia, país em que ela foi exilada.
Relatou também, como foi sua prisão de trinta e três dias em La
Paz, quando Che, ícone da Revolução Cubana foi assassinado por capangas do
imperialismo; e mais, como foi a sua longa caminhada para sair do Brasil rumo
ao exílio, escondendo-se em matagais e tendo como último recurso para atingir
seu intento, saltar para o “trem da morte”, já em movimento e ficar escondida em
um vagão, que por sorte estava completamente vazio. Esses momentos inspiraram
Lírian a escrever muitas poesias como “A Fuga”:
Encontro-me em um lugar
onde só se escutam
músicas sentimentais
paraguaias.
Já entrei em
cena e como ator ou atriz
encontro-me também
no palco do drama do exílio.
A fuga é triste,
é uma bambolina
de solidão e saudades,
contudo, seguirei o
caminho
para que mais longe do
Brasil,
com lágrimas me afaste.
O hino de 2013 da Escola de Samba Império de Cabuçu ressalta
aspectos da vida de Lírian dizendo que, “seus
livros são a voz de liberdade Mao Tsetung, Che Chevara, inspiração, seus poemas
encantam corações”. Poemas que foram feitos, por uma história de perdas, como
amores, a liberdade e o emprego no antigo Departamento de Estradas e Rodagens –
DNER, que hoje lhe permitiria ter uma vida financeira melhor, pois para ela ter
um conforto a mais, que a idade requer, conta com o apoio de familiares mais
abastados. Essas perdas nos fazem compreender o trecho de seu poema,
“Estático Tempo:*
Vou enfraquecendo,
Enfraquecendo...
As rugas mostrando
tais fenômenos
até um dia, eu matéria
apodrecer também
e o EU personalidade
imortal, alhures, olhares,
em outras dimensões
não terei saudades
deste mundo onde paguei.
O encontro deu espaço a muitas cantorias, que Lírian dedilhava no
violão, músicas que ela cantava nos bares da Bolívia durante o exílio, para ganhar
um dinheirinho, até que ela começasse a dar aulas de reforço de física, química
e matemática. Segundo ela esta habilidade foi desenvolvida numa pequena sala,
que seu pai preparou com um quadro negro (verde), observação dela, onde
auxiliava seus irmãos e sobrinhos a se prepararem para o vestibular. Ainda
durante o encontro podemos ouvir o Hino da Internacional Socialista, cantado
por Jorge Carlos (Mané do Café) e assistir o documentário “O regresso”, sobre o
corteja aos restos mortais de Che Chevara, em Cuba. Por diversas vezes Lírian
chorou vendo o filme que ela já assistiu muitas outras vezes, mas o amor pelo
Comandante Che a emociona toda vez que fala seu nome.
Estes foram os motivos que me levaram ontem, à Avenida Marechal
Floriano Peixoto, em Nova Iguaçu, que se situa na tão sofrida baixada
fluminense, para desfilar e cantar até faltar o fôlego, o hino da Império de
Cabuçu, na companhia de Lírian e dos amigos dela que integravam a Ala dos
Artistas.
O desfile foi na verdade um protesto contra a Prefeitura daquele
município, que negara o justo apoio financeiro às Escolas de Samba, havendo
repassado um valor insignificante, na opinião do Presidente da Escola. Em Nova
Iguaçu não teve disputa, jurados e nem notas, enquanto o luxo escorria no
sambódromo da Sapucaí. Mas tivemos dois justos motivos para suar na avenida – a
poesia de Lírian Tabosa e a indignação por uma política viciada que sobrevive
ao longo de toda a história do Brasil, reforçando as desigualdades.
Eliana de Castela