O mito do
surgimento da Ayauaska, contado entre os Huni Kui (Kaxinawás) em
várias versões, narra a história de um indio caçador e de uma mulher
encantada.
Em uma de
suas caçadas o indio caçador chega a beira de um lago onde
encontrou um pé de jenipapo, fruta muito procurada por diversos
animais. Parou, e ficou de tocaia esperando a caça que aparecesse.
Depois de um longo tempo apareceu uma anta (awa). Ao invés de comer
as frutas, a anta pegou três delas e se dirigiu para o lago onde as
jogou para baixo, para cima e no meio. Logo começou a sair muita
espuma do meio do lago. No meio da espuma boiou uma mulher clara de
cabelos compridos e lisos e muito bonita. Era uma mulher jibóia que
subiu para a terra, abraçou, beijou e teve relações com awa.
Na
tocaia o homem descobriu o segredo de awa e somente observando
apaixonou-se pela mulher encantada.
Quando
awa foi embora a mulher sumiu dentro do lago. O caçador então saiu
de dentro da tocaia e fez do mesmo jeito que awa. Pegou três frutas,
jogou dentro do lago. Demorou pouco tempo e começou a sair a
espuma e novamente apareceu uma linda mulher que subiu para o beira
do lago.
Encontrando
o caçador começaram a conversar. Ele falou, contou que viu tudo que
a anta fez e que decidiu fazer o mesmo. Ela disse: - Eu não sou
daqui, moro muito longe e perguntou: - Você tem mulher? Ele
respondeu: - Tenho. E você tem marido? Ela falou: - Somente um
namorado. Então ele pediu: - Vamos namorar? Namoram, fizeram
amor e ela gostou muito e não quis mais deixa-lo. Ela chamou ele
para morarem juntos e ele aceitou.Foi com ela para a terra da jibóia,
debaixo da água, no outro mundo.
Chegando
lá foi apresentado aos parentes dela que gostaram muito dele. Morou
lá por doze anos e teve três filhos com a jibóia.
Um dia a
mulher jibóia começou a preparar cipó para tomar com seu povo. Ele
quis saber o que era e ela disse que era um chá para ver coisas
bonitas. Então o caçador disse que ia tomar
também. Ela disse que era muito forte e ele era muito novo ali e não
poderia tomar. Ele insitiu e tomou.
Quando a
miração chegou ele viu que seu sogro era uma jibóia e o estava
engolindo. Então começou a gritar, e enquanto gritava contava sua
vida. Então dentro da miração descobriu que sua mulher era uma
jibóia e que ele estava encantado.
Quando a
miração acabou ele ficou muito triste e desconfiado. Os parentes da
mulher jibóia não ficaram mais gostando dele. Então o caçador
descobriu que sua mulher jibóia estava planejando mata-lo e fugiu
pra junto de sua antiga família deste lado do mundo. Contou tudo que
se passara com ele e ficou morando com seu cunhado.
Depois
de um tempo ele voltou a caçar na beira do lago. Seus filhos com a
jibóia preocupados com seu desaparecimento passaram a procura-lo e o
encontraram na beira do lago e então começaram a engoli-lo. Não
conseguiram e chamaram sua mãe. Quando ela estava engolindo ele até
a cintura ele começou a gritar chamando seus outros parentes do mundo
de cá:
-Venham
parentes. As jibóias estão me engolindo!
No final
desse mito existem duas versões. Numa delas os parentes conseguem
tirar o caçador da jibóia. Ele todo quebrado passa um tempo doente
na rede. Diz ao cunhado que quando morrer na sua
sepultura nascerá na parte direita um cipó e na esquerda uma
árvore. Diz como deve fazer e usar o chá (Ayauaska) dizendo que
ele estará dentro dele ensinando.
Na outra
versão, os parentes matam a jibóia. O caçador, então, antes de
morrer, pede que os enterrem um a lado do outro. Fala que na sua
sepultura nascerá um cipó e na sepultura da jibóia nascerá uma
árvore. Desenho
do Professor Isaias Ibã Sales Kaxinawá
Diz,
então: - Tira o cipó, corta um palmo de comprido, bate com um
pedaço de pau, tira a casca,bota água junto com a folha da árvore e cantando pode cozinhar por um tempo. E diz também: - Quando
tomar o chá eu e a Jibóia estaremos dentre dele ensinando e
explicando tudo pra você.
Enterraram o caçador e a jibóia. Depois de seis meses, o cunhado
foi na sepultura, encontrou o cipó e a árvore. Fez tudo como o
caçador havia dito. Mirou muito e viu o futuro, o presente e o
passado.
Os
Kenes são ensinos da Jibóia
Os kenes são desenhos
geométricos que lembram os a pele da jibóia. São pintados na
cerâmica, no corpo e tecidos nas roupas, redes, cestos, bolsas e
acessórios. Segundo um dos mitos do povo Huni Kui (Kaxinawás) o
kene é um conhecimento das mulheres e vieram de Yube, a jibóia
encantada.
“ Yube
é o dono desses desenhos e foi ele quem os deu para meu povo. É a
nossa identidade, força e proteção”. (...) São vinte e quatro
Kene básicos no corpo da jibóia. Nesses desenhos estão
representados vários elementos da natureza. Eu comparo esses Kene
com as letras do ABC, que servem pra formar palavras. Cada um deles
tem um nome. As mulheres vão combinando esses kene básicos entre si
e dando origem a outros kene. (...)
O
kene é como um espírito visível dos trabalhos das mulheres. Nós
acreditamos que tudo que tem na natureza tem espírito. Na nossa
língua chamamos yuxim. Quando uma mulher trabalha com kene ela
trabalha com vários yuxim da natureza....da água, do fogo para
tingir o algodão, da palha para tecer, do barro para fazer
utensílios. O kene é o espírito visível de todas as forças da
natureza.
E
nós podemos conversar e trabalhar com outros yuxim porque também
somos yuxim.”Agostinho Muru Kaxinawá, pesquisador
indígena da TI dos rios Breu e Jordão (CPI, OPIAC,S/D)
Texto:
Marisa Fontana, historiadora e
pós graduanda em psicopedagogia.
Referências
bibliograficas:
CUNHA,
Manoela Carneiro da, ALMEIDA, Mauro Barbosa de.(Organizadores)
Enciclopédia da floresta.São Paulo: Companhia das Letras.
2002. Página 382.
MAIA,
Dedê.(Organizadora) Huni Meka: cantos do Nixi Pae. Rio
Branco: Comisão Pró-Indio, 2007.