De nada adianta o discurso competente
se a ação pedagógica é impermeável
à mudanças.
(Freire,1999)
terça-feira, 11 de maio de 2010
quarta-feira, 5 de maio de 2010
A moça tecelã
Lendo esse conto de Marina Colasanti perdi alguns medos de viver.
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
terça-feira, 20 de abril de 2010
Assim é a vida...
As rosas perdem seu perfume, suas pétalas caem... para dar lugar à uma nova rosa.
Assim é a vida.
Se no passado me machuquei nos espinhos, hoje a vida oferece novas oportunidades de lidar com os espinhos sem me machucar.
sábado, 17 de abril de 2010
POEMA DE MILAREPA
A pintura dourada se desbota com o tempo,
as lindas flores do campo logo fenecem, os pálidos raios da lua logo se devanecem,
o rio caudaloso dilui-se no mar,

o filho querido cresce e logo se vai para sempre.
Isto mostra a transitoriedade de todas as coisas. Isto prova a impermanência de todas as coisas. Pense e você tomará consciência.
Estas são as comparações que canto,
espero que você se recorde sempre.
Preocupações e sofrimento sempre existirão, então deixe-os de lado,
e viva segundo esta grande consciência.
segunda-feira, 22 de março de 2010
A Jibóia, Guardiã do Nixi Pae (Ayauaska) entre os Huni Kui(Kaxinawás)
O mito do
surgimento da Ayauaska, contado entre os Huni Kui (Kaxinawás) em
várias versões, narra a história de um indio caçador e de uma mulher
encantada.
Em uma de
suas caçadas o indio caçador chega a beira de um lago onde
encontrou um pé de jenipapo, fruta muito procurada por diversos
animais. Parou, e ficou de tocaia esperando a caça que aparecesse.
Depois de um longo tempo apareceu uma anta (awa). Ao invés de comer
as frutas, a anta pegou três delas e se dirigiu para o lago onde as
jogou para baixo, para cima e no meio. Logo começou a sair muita
espuma do meio do lago. No meio da espuma boiou uma mulher clara de
cabelos compridos e lisos e muito bonita. Era uma mulher jibóia que
subiu para a terra, abraçou, beijou e teve relações com awa.
Na
tocaia o homem descobriu o segredo de awa e somente observando
apaixonou-se pela mulher encantada.
Quando
awa foi embora a mulher sumiu dentro do lago. O caçador então saiu
de dentro da tocaia e fez do mesmo jeito que awa. Pegou três frutas,
jogou dentro do lago. Demorou pouco tempo e começou a sair a
espuma e novamente apareceu uma linda mulher que subiu para o beira
do lago.
Encontrando
o caçador começaram a conversar. Ele falou, contou que viu tudo que
a anta fez e que decidiu fazer o mesmo. Ela disse: - Eu não sou
daqui, moro muito longe e perguntou: - Você tem mulher? Ele
respondeu: - Tenho. E você tem marido? Ela falou: - Somente um
namorado. Então ele pediu: - Vamos namorar? Namoram, fizeram
amor e ela gostou muito e não quis mais deixa-lo. Ela chamou ele
para morarem juntos e ele aceitou.Foi com ela para a terra da jibóia,
debaixo da água, no outro mundo.
Chegando
lá foi apresentado aos parentes dela que gostaram muito dele. Morou
lá por doze anos e teve três filhos com a jibóia.
Um dia a
mulher jibóia começou a preparar cipó para tomar com seu povo. Ele
quis saber o que era e ela disse que era um chá para ver coisas
bonitas. Então o caçador disse que ia tomar
também. Ela disse que era muito forte e ele era muito novo ali e não
poderia tomar. Ele insitiu e tomou.
Quando a
miração chegou ele viu que seu sogro era uma jibóia e o estava
engolindo. Então começou a gritar, e enquanto gritava contava sua
vida. Então dentro da miração descobriu que sua mulher era uma
jibóia e que ele estava encantado.
Quando a
miração acabou ele ficou muito triste e desconfiado. Os parentes da
mulher jibóia não ficaram mais gostando dele. Então o caçador
descobriu que sua mulher jibóia estava planejando mata-lo e fugiu
pra junto de sua antiga família deste lado do mundo. Contou tudo que
se passara com ele e ficou morando com seu cunhado.
Depois
de um tempo ele voltou a caçar na beira do lago. Seus filhos com a
jibóia preocupados com seu desaparecimento passaram a procura-lo e o
encontraram na beira do lago e então começaram a engoli-lo. Não
conseguiram e chamaram sua mãe. Quando ela estava engolindo ele até
a cintura ele começou a gritar chamando seus outros parentes do mundo
de cá:
-Venham
parentes. As jibóias estão me engolindo!

Na outra
versão, os parentes matam a jibóia. O caçador, então, antes de
morrer, pede que os enterrem um a lado do outro. Fala que na sua
sepultura nascerá um cipó e na sepultura da jibóia nascerá uma
árvore. Desenho
do Professor Isaias Ibã Sales Kaxinawá
Diz,
então: - Tira o cipó, corta um palmo de comprido, bate com um
pedaço de pau, tira a casca,bota água junto com a folha da árvore e cantando pode cozinhar por um tempo. E diz também: - Quando
tomar o chá eu e a Jibóia estaremos dentre dele ensinando e
explicando tudo pra você.
Enterraram o caçador e a jibóia. Depois de seis meses, o cunhado
foi na sepultura, encontrou o cipó e a árvore. Fez tudo como o
caçador havia dito. Mirou muito e viu o futuro, o presente e o
passado.
Os
Kenes são ensinos da Jibóia
Os kenes são desenhos
geométricos que lembram os a pele da jibóia. São pintados na
cerâmica, no corpo e tecidos nas roupas, redes, cestos, bolsas e
acessórios. Segundo um dos mitos do povo Huni Kui (Kaxinawás) o
kene é um conhecimento das mulheres e vieram de Yube, a jibóia
encantada.
“ Yube
é o dono desses desenhos e foi ele quem os deu para meu povo. É a
nossa identidade, força e proteção”. (...) São vinte e quatro
Kene básicos no corpo da jibóia. Nesses desenhos estão
representados vários elementos da natureza. Eu comparo esses Kene
com as letras do ABC, que servem pra formar palavras. Cada um deles
tem um nome. As mulheres vão combinando esses kene básicos entre si
e dando origem a outros kene. (...)
O
kene é como um espírito visível dos trabalhos das mulheres. Nós
acreditamos que tudo que tem na natureza tem espírito. Na nossa
língua chamamos yuxim. Quando uma mulher trabalha com kene ela
trabalha com vários yuxim da natureza....da água, do fogo para
tingir o algodão, da palha para tecer, do barro para fazer
utensílios. O kene é o espírito visível de todas as forças da
natureza.
E
nós podemos conversar e trabalhar com outros yuxim porque também
somos yuxim.”Agostinho Muru Kaxinawá, pesquisador
indígena da TI dos rios Breu e Jordão (CPI, OPIAC,S/D)
Texto:
Marisa Fontana, historiadora e
pós graduanda em psicopedagogia.
Referências
bibliograficas:
CUNHA,
Manoela Carneiro da, ALMEIDA, Mauro Barbosa de.(Organizadores)
Enciclopédia da floresta.São Paulo: Companhia das Letras.
2002. Página 382.
MAIA,
Dedê.(Organizadora) Huni Meka: cantos do Nixi Pae. Rio
Branco: Comisão Pró-Indio, 2007.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Aviso da lua que menstrua
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
Elisa Lucinda
terça-feira, 9 de março de 2010
Sonhos da Menina
A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?
Sonho
risonho:
O vento sozinho
no seu carrinho.
De que tamanho
seria o rebanho?
A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha...
Na lua há um ninho
de passarinho.
A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?
Cecília Meireles
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